Final Veredictum: Blackbriar - The Cause Of Shipwreck
Uma das
melhores coisas que existe na música é sem dúvida o "espalha a
palavra" sobre uma banda ou música que descobrimos e partilhamos com
amigos que não a conheciam ainda. É nesse sentido que começo a falar de uma
banda que me foi apresentada por aquela que é a minha cara metade. Falamos dos
holandeses Blackbriar e do seu álbum de estreia "The Cause Of
Shipwreck".
A banda foi
criada em Assen, nos Países Baixos em 2012. Antes de apresentarem o seu
primeiro álbum ao mundo, os holandeses lançaram três EP.s sendo eles:
"Fractured Fairytails", "We'd Rather Burn" e "Our
Mortal Remains". Actualmente, os Blackbriar são compostos por: Zora Cock
na voz, René Boxem na bateria, Bart Winters e Robin Koezen nas guitarras, Frank
Akkerman no baixo e ainda Ruben Wijga nos teclados.
"The
Cause Of Shipwreck" foi lançado ao mundo a 23.04.2021 e é composto por 10
temas. O álbum foi editado pela própria banda na sua editora Blackbriar Music
Vof.
"Confess",
começa com uma orquestra triunfal até que Zora irrompe com a sua voz
apaixonante e rapidamente o triunfal transita para um ritmo mais tempestuoso,
em que surgem momentos em "crescendo" que antecedem o refrão.
"Riffs" límpidos e poderosos, aliados a boas transições de bateria,
fazem sobressair o vocal límpido e magistral da vocalista. O nome do tema fala
na confissão. Por vezes para arrancar a verdade ou obter uma informação que
pode ser fulcral para o momento, temos que ser impiedosos e um tanto ou quanto
agressivos na forma de falar com as pessoas. A letra fala na morte e na doença
e como as pessoas que a causam não desvendam a verdade sobre as suas reais
intenções. Um bom tema para começar este álbum, com uma letra muito actual!
O som
adensa-se e o perigo espreita de qualquer lado. "Weakness And Lust",
parece um tema inspirado nos contos de Edgar Allan Poe. O negrume, os arranjos
orquestrais, o mistério e o misticismo são a verdadeira razão do naufrágio.
Ouvimos de início as cordas que transitam para um som de piano misterioso. A
partir do momento em que começamos a ouvir Zora as guitarras entram em acção e
os "riffs" são bem mais pesados do que em "Confess".
Sentimos que estamos a caminhar para o abismo ou para a morte com esta
"Weakness And Lust". Uma bateria, também ela mais pesada, parece
marcar o compasso com as suas pancadas. Da primeira para a segunda parte do
tema, ouvimos as cordas em todo o seu esplendor e as teclas parecem dar um
pouco de luz ao tema, para depois os sons mais graves mergulharem aqueles que
ouvem esta "Wickness And Lust" num abismo profundo. É impossível
ouvirmos este tema sem pensarmos no mito das sereias que atraiam os marinheiros
para a morte devido à sua voz. Este tema, acaba por ser isso mesmo, uma sereia
que causou apenas a morte e a destruição.
Em "Through
The Crevice", Blackbriar presenteia-nos com o negrume e o gótico num
estilo mais calmo. Como se estivéssemos a andar por uma estrada em cujos
perigos se adensam sem darmos conta! Ao ouvirmos este tema parece que vemos uma
história de amor em alto mar. Com uma cinemática que nos remete para um filme
de piratas, temos uma letra virada para as juras de amor eterno. A nível musical
ouvimos mais uma vez Zora com uma voz angelical. Quanto mais ouço esta senhora,
mais me apaixono. As variações são perfeitas! Os "riffs" das
guitarras que mais uma vez aliam peso a uma melodia perigosamente apaixonante!
Um tema em que os arranjos orquestrais se misturam com os instrumentos e com a
voz, criando uma união perfeita!
"The
Séance" é o quarto tema deste "The Cause Of Shipwreck", e mais
uma vez Blackbriar a explorar o Gótico no período Vitoriano. Sabem que mais?
Arrebatadoramente brilhante! O período vitoriano é conhecido pelo seu
Romantismo e Horror! "O Retrato de Dorian Gray" de Oscar Wilde,
"Drácula" de Bram Stoker" ou "O Estranho Caso do Dr. Jekill
e Sr. Hide", por exemplo, foram escritos durante este período e são todos
livros que misturam o romance com o horror proporcionalmente. Em "The
Séance" vemos isso mesmo, no caso uma reunião para invocar alguém que
partiu através de uma sessão espírita dentro de uma casa com uma decoração que
nos leva para o século XIX. A nível musical temos Zora Cock a cantar de uma
forma que se assemelha a uma alma penada. Os instrumentos parecem levar-nos
para lugares ocultos onde o medo impera. "Riffs" pesados quer nas
guitarras, quer no baixo, aliados a uma bateria também ela pesada que culminam
num orquestral que nos arrasta para a sensação um perigo eminente. Genial!
Se em
"The Séance" tínhamos a invocação de alguém que partiu, em
"You're Haunting Me" parece que temos a continuação da invocação dos
fantasmas vitorianos. Ao ouvirmos o tema reparamos que o tom sinistro se
adensa. Umas teclas como pano de fundo e temos sempre a sensação de ouvir um
som distorcido proveniente de um gramofone. Ouvimos também uma voz que entoa
num tom fantasmagórico. A voz de Zora também tem um tom mais arrastado que vai
variando entre agudos e graves que se combinam com o som de um contrabaixo.
Mais um bom tema neste "The Cause Of Shipwreck", que nos dá a entender
que a noite caiu e ninguém se apercebeu...
Em
"Walking Over My Grave" vemos mais uma vez o esplendor do Gótico em acção.
Num tema que é cantado todo ele em "crescendo" e em que a voz de Zora
parece dar luz aos que ouvem. Certo? Esqueçam lá isso, a letra de "Walking
Over My Grave" é toda ela virada para o negrume e para a morte. Parece que
alguém está à beira da morte e sente que todos aqueles que a rodeiam já lhe
fizeram o funeral e a despedida. O tema é bastante melódico com uma nota
macabra, já que no final vemos que Zora serve o seu sangue num copo e o seu
coração numa bandeja, fazendo com que a sua vida acabe de uma forma um pouco
grotesca. Medo, muito medo...
Depois de
alguns temas em que explorámos o Gótico em todo o seu esplendor, parece que
Blackbriar abre espaços no seu negrume e os raios da manhã abraçam-nos com a
leveza e a esperança da luz, embora muito ténues, é claro. Em "My
Down-To-Earth Lover" vemos isso mesmo. Os raios da manhã que tentam à
força toda rasgar o negrume da noite. Com uma letra romântica, a banda não
deixa de dar umas pitadas de escuridão a esta letra. "Riffs"
melodiosos e límpidos, um solo majestoso, variações vocais esplendorosas e um
orquestral impressionante fazem desta "My Down-To-Earth Lover" um dos
melhores temas deste "The Cause Of Shipwreck".
"Selkie"
leva-nos até aos mitos e lendas da Escócia com origens nos celtas. Este tema é
uma história de amor entre um homem e uma Selkie. As Selkies eram criaturas
mitológicas que habitavam os mares sob a figura de uma foca e é dito que quando
vinham para terra podiam abandonar a pele de foca e poderiam viver uma vida de
mulheres ou homens normais e ainda procriar com seres humanos. É dito que
aquando da chegada a terra, as Selkies apenas podiam viver com um humano e
depois deviam de regressar ao mar, a não ser que estes lhes tirassem a pele ou
a queimassem, impedindo o seu regresso ao mar. Neste tema podemos ver um homem
perdido de amores por uma Selkie e que acaba por se atirar ao mar na esperança
de voltar a encontrar o amor da sua vida. Um tema que acaba por ter um fim
triste e que culmina na morte.
Quase a
concluir o álbum voltamos ao Gótico. "Deadly Diminuendo" é o
penúltimo tema deste "The Cause Of Shipwreck" e voltamos à melancolia
e ao perigo iminente da morte apaixonante. Recordo-me de ter feito o
"Track Attack" para este tema e ter ficado espantado. Desde os
"riffs" mais pesados, a uma bateria que mistura técnica e peso e
ainda a voz de Zora Cock que tem um lado apaixonante ao mesmo tempo que mostra
tenebrosidade. Um tema em que as variações vocais se arrastam com o peso da
composição e que atingem tons límpidos e em "crescendo" aquando da
chegada do refrão, contrastando assim com o nome "Deadly Diminuendo”. Um
tema que é em certa parte uma crítica à sociedade actual. A letra fala-nos de
como a humanidade está a perder alguns valores e ainda a visão para certos e
determinados temas.
"Lilith
Be Gone" fecha este álbum de estreia dos Blackbriar com chave de ouro! A
música que enaltece a mulher primordial, aquela que viria a tornar-se na mãe de
todos os demónios. Como uma espécie de invocação a esta entidade, a banda fala
em Lilith como se um demónio da luxúria se tratasse. Um tema que mais uma
vez mostra bem o Gótico e toda a versatilidade como a banda o evoca. As
variações vocais de Zora, os "riffs", a bateria, o solo e ainda os
arranjos orquestrais levam a banda para um fim épico e vitorioso onde a noite nos
abraça no seu lado apaixonante e infernal.
Blackbriar é
uma banda com qualidade para dar e vender! A banda de Assen com o lançamento de
"The Cause Of Shipwreck" veio apenas consolidar o que já tinha feito
nos seus anteriores EP's. Com uma margem de progressão enorme, o primeiro álbum
de originais dos holandeses mostra que o Gótico está vivo e de boa saúde.
Blackbriar com este álbum mostrou que não precisamos de um som muito mais
pesado para criar um bom álbum. É claro que temos alguns elementos mais
"heavy metal", mas a base da banda fica pelo "Gothic Rock/Metal"
e que bom é escutar este som. Variações vocais entre agudos límpidos e graves
também eles límpidos mas assustadores, solos de guitarra curtos mas magistrais,
variações de intensidade e velocidade na bateria, "riffs" intensos e
melódicos nas guitarras e no baixo que culminam com um som orquestral que dá a
ambiência vitoriana e gótica a este "The Cause Of Shipwreck". Um
álbum que fala da morte, de fantasmas, da entrega e do amor proibido. Um verdadeiro
canto de sereias que pode ganhar espaço nas colecções dos mais românticos.
Preparem-se, pois a seguirem esta linha Blackbriar vai ser um nome maior da
música pesada dos próximos anos.