Final Veredictum: Gojira - Fortitude
A palavra ou termo que mais se assemelha a "Fortitude" é fortaleza. E é no meio desta construção que tinha como principal fundamento, a atividade bélica, que apresentamos mais uma "review". Numa construção feita inteiramente de pedra que é um material que em conjunto, impõe respeito e admiração apresentamos o mais recente trabalho dos franceses Gojira, "Fortitude", composto por 11 faixas e com o cunho da Roadrunner Records.
Fundados em 1996 na cidade francesa de Baiona, a banda tinha como nome original Godzilla e em 2001 antes do lançamento de "Terra Incognita", mudaram o nome para Gojira e o resto é história! Atualmente a banda é formada por Joe Duplantier na guitarra e na voz, Mario Duplantier na bateria, Christian Andreau na guitarra e ainda Jean-Michel Labadie no baixo.
Valente - Começamos esta autêntica pedra da música pesada com "Born For One Thing" uma música que nos deixa boquiabertos da primeira vez que a ouvimos, visceral, crua e "in your face".
A rouquidão de Joe Duplantier, que acompanha os breakdowns com growls cavernosos aliada a uma composição instrumental sublime, apresenta-nos uma das melhores entradas de um álbum de que temos memória. Além disso tenho que referir os breakdowns com harmonics, algo que nunca tinha ouvido e que os Gojira em Fortitude exploraram bastante.
Júlio - Assim que ouvimos os primeiros acordes deste "Fortitude" temos de nos preparar para este assalto francês. A banda começa o álbum com "Born For One Thing". Isto é o som de Gojira. Independente de tudo o resto e incomparável com os géneros já criados. "Riffs" poderosos, com uma tecnicidade e mestria supremos, aliados a uma bateria com transições soberbas, fazem deste tema uma verdadeira "entrada a pés juntos". A voz de Joe Duplantier também é algo de extraordinário. O timbre rouco do músico transita para um tom mais gutural que vai até às profundezas do nosso ser e esmaga tudo, assim que banda desacelera o compasso com os seus "breakdowns" insanos.
Valente - Desde os primórdios do Heavy Metal que o tribalismo é algo bem enraizado na música pesada, o peso, a agressividade e todos os elementos selvagens que nos fazem sentir a música de forma distinta, derivam destas influências tribais que fazem parte da génese deste género musical.
"Amazonia" é um reflexo disso mesmo, uma música que vai beber influência ao tribalismo e que transmite várias sonoridades ligadas à natureza, além do peso característico dos Gojira, através da ambiência criada pela banda somos transportados diretamente para o meio da floresta e os nossos ouvidos sentem que estamos no meio selvagem.
A letra fala sobre a importância que a floresta amazónica tem para o nosso planeta, para os indígenas e espécies autóctones que dela dependem para a sobrevivência e pela forma como o mundo capitalista e a impiedosa sede do Homem em lucrar com tudo o que possa têm na destruição deste que é o pulmão da Terra.
Júlio - Independentemente de tudo o que se possa dizer sobre o Heavy Metal, a verdade é que as bandas, vão beber à História do seu país para criarem uma identidade. Quando isto não acontece, viram-se para a atualidade e são verdadeiras armas para falar sobre a sociedade contemporânea. Em "Amazonia" vemos isso espelhado do início ao fim. Aquele que é o "Pulmão da Terra", a maior reserva de biodiversidade do planeta, que alberga espécies exóticas e ainda tribos que existem naqueles terrenos há milhares de anos. A floresta amazónica que todos os anos é esquecida ou alvo de políticas de exploração e que podem levar à destruição deste bem maior. Uma floresta que é de todos nós. A nível musical destaca-se o som tribal, o som festivo que as tribos usam nos seus costumes para adorarem os espíritos ou ainda para prepararem os seus membros para a idade adulta. Os "riffs", a bateria, o baixo e toda a composição de "Amazonia", acabam por suar a uma espécie de homenagem ao álbum "Roots" dos brasileiros Sepultura.
Valente- Gojira em "Hold On" como a música indica abranda um pouco o ritmo, notamos novamente as influências das sonoridades mais tribais e indígenas invocadas inicialmente em "Amazónia" e que aqui ressurgem através da utilização do belting, ou seja a técnica de origem indígena que permite cantar com clareza e de forma límpida, destacando as notas mais agudas. A utilização de tantas variações vocais só nos vem mostrar o poderio e range vocal de Joe Duplantier que nos consegue trazer diferentes tonalidades vocais completamente distintas na mesma música. As guitarras quando entram surgem de rajada e aí também o registo de Joe Duplantier muda para o tom mais rispido que nos é bem mais familiar. A bateria de Mario Duplantier acompanha fervorosamente toda a dinâmica das guitarras e o resultado é simplesmente fantástico, havendo uma alternância fervorosa entre peso e melodia. A letra reveste-se de uma enorme importância e a mensagem é clara estamos por um fio e se não alterarmos os nossos comportamentos a vida como a conhecemos e o planeta sofrerão as consequências, por enquanto ainda é possível lutar, mas por quanto mais tempo? Como a música sugere é necessário abrandar pois ao ritmo absurdo a que vivemos as nossas vidas, caminhamos para o abismo e para a destruição do nosso planeta e de toda a vida terrestre.
Júlio - Este álbum começou bem a abrir, mas por agora está mais calmo. Depois de "Another World", em que a banda abranda o compasso, "Hold On", segue o mesmo caminho. Uma introdução desacelerada em que Joe Duplantier canta partes do tema com um "riff " bastante melódico na primeira parte. O tom mais pesado e distorcido entra na segunda parte! A rouquidão do seu timbre misturado com os guturais produzidos por Duplantier são insanos. Os "riffs" são bastante melódicos e têm um tom grave que se misturam com um baixo, que tem uma posição a destacar em "Hold On". Este tema parece ter uma letra toda ela virada para o clima e ainda para o aquecimento global. Um flagelo dos nossos dias que não tem modo de abrandar devido ao impacto da mão humana no planeta. A constante procura pelos recursos da Terra acabarão por dar lugar a uma catástrofe de proporções dantescas que irá terminar com o mundo tal como o conhecemos.
Júlio - Gojira volta aos temas pesados com "New Found". Com um início da música mais distorcido, a banda entra com um "riff" que tem tanto de pesado como de melódico. Mario Duplantier mais uma vez a fazer com que a bateria assuma o comando e faça com que toda a banda siga atrás dele. Todo este tema tem oscilações entre a aceleração e a desaceleração. A melodia presente nas guitarras e no baixo fazem deste tema outro a destacar em "Fortitude". "New Found", a nível instrumental quase que parece uma sequela de "Another World", devido à sua semelhança. Enquanto que a banda em "Another World" explora a vertente dos universos paralelos e da procura extrema dos recursos que levarão a Terra a um ponto de não retorno, em "New Found" fala na exploração marítima aquando dos séculos XV, XVI, XVII e XVIII e como essas descobertas levaram ao extermínio e ainda à conquista pela força e pela disseminação de pragas por parte dos europeus, aos sul-americanos. Outra pérola de "Fortitude".
Valente - A faixa titulo do álbum apela à reflexão, sendo composta apenas por um instrumental rudimentar e melodioso com tambores, pandeireta e coros que ecoam em uníssono. Os Gojira têm aqui uma quebra que nos permite respirar e absorver tudo o que ouvimos até aqui e simultaneamente preparando-nos para o que ainda está para vir, sendo a ponte com a próxima música.
Júlio - Podemos dizer que atingimos a metade de "Fortitude". Gojira presenteia-nos com o tema que dá nome ao álbum. Esqueçam as valentes pedras que a banda apresentou nos temas anteriores, "Fortitude" é um tema instrumental que parece que nos leva para o meio das tribos e das suas tradições. Um tema onde podemos escutar os sons da selva. A banda transporta-nos para toda uma calmaria que começa a dissipar-se assim que entra o "riff" final que transita para "The Chant".
Valente - Esta é daquelas músicas que até arrepiam, começando onde "Fortitude" nos deixou "The Chant" é uma impiedosa ode a que sejamos consciencializados para a ocupação do Tibete pelo regime chinês. Expropriados das suas terras e bens, deixando para trás toda uma vida construída, o povo tibetano é o exemplo perfeito do que é Fortitude, resistência, perseverança, coragem, garra e determinação para resistir ao opressor. Esta é uma música com uma forte conotação politica, mas também humanitária. Quando um povo exerce domínio sobre o outro e quem tem poder para fazer algo, limita-se simplesmente a assistir e a compactuar com o que está a acontecer de braços cruzados, estão a ser cúmplices. É uma mensagem para que despertemos, à semelhança dos dois últimos singles dos System Of A Down, os Gojira querem abrir os olhos do mundo para as injustiças que assolam o nosso planeta.
Júlio - "The Chant", inicia com o "riff" que distorce da calmaria de "Fortitude" e é mais uma autêntica bomba neste álbum. Enquanto que em "Amazonia", temos uma chamada de atenção para aquilo que se está a passar com a desflorestação da floresta amazónica, "The Chant" arrebata-nos com a mensagem política. Este tema é sobre a ocupação do Tibete pela China onde milhares de pessoas foram mortas e ainda milhares de templos foram também destruídos pela anexação chinesa. Um verdadeiro genocídio! Muitos foram aqueles que tiveram de sair dos templos onde rezavam e ainda das suas casas. Muitas famílias foram destruídas por causa da tirania dos opressores. O vídeo mostra uma criança que foi deixada pela mãe dentro de uma caixa para sobreviver ao exército e que mais tarde é resgatada por monges budistas. Já na idade adulta, essa criança segura a cabeça de um buda e a mensagem que aparece no clip da banda é a seguinte: "To this day, the orphans of Tibet still hope to return to their homeland." que em português traduz-se para: "Até aos dias de hoje, os órfãos do Tibete ainda mantêm a esperança de poder regressar à sua terra natal. Arrisco-me a dizer que este seja talvez o melhor tema do ano e talvez, um que possa vir a ser um hino!
Júlio - Gojira, volta ao som mais pesado com "Sphinx". Neste tema, o som da banda é mais cru e mais distorcido. Joe Duplantier, aborda o som gutural para dar peso a este tema, que bem poderia estar em álbuns como "L' Enfant Sauvage" ou "From Mars To Sirius". A banda, volta ao som mais tecnicista com os seus "riffs" mais pesados e ainda com o génio da bateria Mario Duplantier a fazer o que quer deste instrumento. Com uma diversidade de ritmos com variações de velocidade e intensidades estonteantes, fazem deste instrumento um peso pesado na música da banda como um todo. A letra do tema anda a volta de alguém que é visto como um salvador e que vai salvar toda a humanidade. Quase que se baseia na figura da verdadeira Esfinge, que matava todos aqueles que não conseguiam responder ao seu enigma, até que Édipo conseguiu responder acertadamente ao enigma e a Esfinge suicidou-se atirando-se do alto de um penhasco.
Júlio - Continuamos este "Fortitude" com "Into The Storm". A banda traduz à letra o nome do tema, já que a violência utilizada pelos instrumentos leva-nos até ao olho da tempestade, onde quase que não se pode fazer nada, a não ser sobreviver. Com"riffs" alucinantes e com uma bateria que mistura peso e técnica, a banda lança todos aqueles que ouvem esta "Into The Storm", para o meio dos mares revoltos. No entanto e como se costuma dizer, depois da tempestade, vem a bonança. E aí, Gojira lança raios de sol que são vistos como abertas num mundo cinzento onde rola "Into The Storm". Um tema bastante atual e com uma mensagem política bem latente e vincada de uma ponta a outra da letra.
Júlio - Quase como anunciando um fim para "Fortitude" temos o décimo tema do álbum, "The Trails". Gojira volta aos ciclos mais calmos com este tema. Com "riffs" mais melancólicos e desacelerados, a banda consegue acalmar todos aqueles que a ouvem. O tom mais "clean" e melodioso de Joe Duplantier é também, algo a destacar, já que consegue utilizar um tom mais agudo assim que os "riffs das guitarras se tornam também eles mais agudos. Gojira desta feita, vira-se mais uma vez para o ambiente, nomeadamente para a exploração evasiva dos recursos naturais. Durante toda a História da humanidade, sempre existiram guerras. Muitas destas, serviam apenas para decidir quem é que ficaria com os melhores territórios, de modo a ter o monopólio recursos naturais. Assim quem tivesse o poder sobre os recursos iria ser considerado o mais poderoso. Desde o arranque da Revolução Industrial que estas "guerras" se intensificaram, gastando em 150 anos o equivalente a milhões de anos de evolução. Vários foram os países, que foram invadidos, por causa da ganância humana e os invasores inventaram perigos inexistentes, só para terem o avale dos líderes mundiais para invadirem.