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Final Veredictum: Uivo Bastardo - Clepsydra



O meu primeiro contacto com esta banda foi através de um Studio Report a este Clepsydra presente na revista Loud!
Ao ler o artigo fiquei bastante curioso e hoje para redigir esta review folheei as mesmas folhas que me apresentaram os Uivo Bastardo para obter certos pormenores que não são audíveis e que foram explicados em entrevista, um deles é a história que deu origem à formação desta banda.
Este projecto surgiu, após o fim da banda do vocalista Hélder Raposo, Kronos, à qual pertencia também o teclista André Louro que nos Uivo Bastardo é responsável pelas programações. Juntos pegaram nos temas que já haviam sido escritos e juntaram-se ao baterista David Jerónimo, ao baixista Paulo Bretão e ao guitarrista João Tiago.
Outra fonte de informação foi o CD de Clepsydra que me foi enviado pelos Uivo Bastardo, a quem agradeço.

O Bom

Visceral, pesada, violenta, crua, poética e pessimista são adjectivos que caracterizam a música presente nesta Clepsydra, que no seu sentido etimológico designa um aparelho movido a água utilizado para medir o tempo à semelhança de uma ampulheta com areia.
Este é um disco diferente, seria difícil catálogá-lo num só género, mas isso seria também desvalorizar o trabalho nele presente.
Ao longo de oito músicas bem distintas são notórias as similaridades musicais com outras bandas nacionais, desde Bizarra Locomotiva, a Mão Morta, Moonspell nesta fase 1755 e atrevo-me mesmo a dizer que em termos de sonoridade e construção musical fazem-me lembrar Rasgo, mas com muito menos elementos de Thrash, mas não se enganem, a música que os Uivo Bastardo estão a fazer é algo singular em Portugal e apesar das parecenças com estas bandas este é um disco cantado totalmente em português, mas de uma forma peculiar, com sonoridades e detalhes que nunca tinha ouvido antes.
O álbum tem inicio com um dissonante interlúdio, intitulado, De Profundis.
Tormentório, a segunda faixa do disco e para mim uma das melhores nele presentes, contém como letra a estrofe 44 presente no Canto V da obra "Os Lusíadas":

 "Aqui espero tomar, se não me engano,
De quem me descobriu, suma vingança.
E não se acabará só nisto o dano
Da vossa pertinace confiança;
Antes em vossas naus vereis cada ano,
Se é verdade o que meu juízo alcança,
Naufrágios, perdições de toda sorte,
Que o menor mal de todos seja a morte."

E devo dizer-vos Metal e poesia são sempre uma boa combinação, especialmente quando juntamos uma banda, como é o caso dos Uivo Bastardo que pretende inovar a um dos mais consagrados poetas da história da língua portuguesa, Luís Vaz de Camões.
Todas as músicas deste álbum têm um toque de inquietude e deixam-nos sobressaltados pelo som diferente e pessimista que contêm.
Em termos líricos esta é uma banda que tem que ser valorizada pela forma como escreve estes são poemas negros cáusticos e crus que me remetem através das suas parecenças para a poesia de Till Lindemann, vocalista dos Rammstein.
Instrumentalmente é pesado, diferente e oscila entre melodias mais rápidas e outras de maior calmaria o que permite variações que são deveras interessantes e agradarão ao ouvinte mais exigente.
Miasma é diferente porque oscila entre elementos cantados com voz limpa e de repente assume uma guturalidade pesada enquanto é declamado o poema que compõe a letra desta música.
A introdução da última música De muito Longe Vem o Eco do Teu Uivo faz-me lembrar a Symphony Of Destruction dos Megadeth, pelos acordes nela presentes mas depois é irrompida por uma sonoridade quase Doom com uma bateria bem demarcada e há aqui momentos onde parece mesmo que o vocalista uiva ao longo da música.
O disco finda com registos electrónicos dissonantes semelhantes aos que lhe deram inicio em De Profundis.

O que os distingue

Esta é uma banda que não vai agradar a todos, o som dos Uivo Bastardo tem de ser desgostado e ouvido por várias vezes para ser compreendido e a cada audição detectamos novos pormenores que não tínhamos conseguido captar antes e é isso que torna este disco tão especial.
É difícil ouvir algo diferente e a que não estamos habituados, no entanto também tenho a certeza de que esse não é o objectivo desta banda.
O disco tem pouco mais de trinta e cinco minutos mas houve momentos em que me senti como se estivesse a ler um livro, pois tive que voltar atrás e ouvir novamente com mais atenção uma ou outra música.
O facto de ser cantado em português permite-nos compreender o que é dito mas houve momentos em que tive de consultar o livro que acompanha o CD para ler o poema na integra e perceber melhor o sentido de cada uma destas músicas.

Este é um disco que não é para todos e diria mesmo que apenas um nicho da comunidade do metal em Portugal irá apreciá-lo com a devida atenção e é uma pena.
Clepsydra é para quem está saturado do mesmo som placebo que é repetido vezes e vezes sem conta e que não traz inovação, uma marca que o distinga ou copia trabalhos anteriores. 
Os Uivo Bastardo estão de parabéns têm como disco de estreia um álbum, sólido, consistente e diferente de tudo o que ouvimos normalmente e que nos desafia enquanto ouvintes a explorar novos territórios sonoros e a sairmos da nossa zona de conforto.
Esta é a prova de que talento e dedicação funcionam e quando aliados a poesia podem resultar numa belíssima obra de arte.